Rio Tinto, no litoral norte da Paraíba, é bem diferente de outras cidades no interior do Nordeste.
Edifícios geométricos de tijolos aparentes, avenidas largas cortadas por ruas transversais retas. Uma arquitetura bem característica de cidades europeias dos tempos da Revolução Industrial.
Nesse post, vamos visitar as principais atrações do lugar, conhecer a sua incrível história e entender os motivos que fizeram com que ele se tornasse assim tão diferente.
Máquinas a todo vapor no meio da mata
Tudo começou por volta de 1917, quando Frederico Lundgren, filho do sueco Herman, chegou com o seu pessoal por essas terras.
Na década anterior, eles tinham iniciado a Fábrica de Tecidos Paulista, em Pernambuco.
Frederico tinha o interesse de expandir os seus empreendimentos e aquela região, de engenho de fogo morto, (ou seja, com engenhos que não moem mais cana) com vários rios, fartura de madeira e terra, seriam ideais para a construção do que se tornaria a Companhia de Tecidos Rio Tinto.
Máquinas e homens trabalharam vorazmente dia e noite em Rio Tinto, levantando toda a infraestrutura necessária para o gigantesco empreendimento.
Chegaram a construir um pequeno porto no rio Mamanguape, o mais importante da região, e drenaram enormes poções de terra alagada onde construíram galpões, caldeiras, chaminés, entre outras instalações.
Assim como aconteceu em Pernambuco, milhares de pessoas foram apanhadas para os trabalhos na fábrica.
Também chegaram muitos estrangeiros: alemães, ingleses e até japoneses foram contratados para as funções de gerência e para a área técnica, pois as máquinas eram importadas e precisavam de assistência especializada.
Todo esse pessoal veio morar nas vilas construídas ao redor da fábrica. Os técnicos e administradores estrangeiros foram colocados em chalés no centro da cidade, os operários, em casas conjugadas em ruas adjacentes.
Em 1924, sob olhares espantados de jornalistas e autoridades do estado da Paraíba, a Fábrica de Tecidos Rio Tinto era inaugurada.
Celestino Neto, guia de turismo e pesquisador, foi quem nos recebeu e nos guiou, contando as incríveis histórias dessa cidade construída no litoral norte da Paraíba.
O quebra-cabeças de Rio Tinto
Se você ler o post do Reverso do Mundo sobre a cidade do Paulista, onde ficava a sede do império dos Lundgren, vai ver que nós comparamos a situação de lá com a de um quebra-cabeças.
Os lugares, ou resquícios deles, como as fábricas, o palacete da família Lundgren, assim como as outras peças, estavam dispersas em pontos do centro da cidade e que nós estávamos “juntando” tudo.
Aqui a coisa é um pouco diferente. Rio Tinto é bem menor do que Paulista e está mais afastada da capital e de qualquer outro grande centro.
A Fábrica de Tecidos (ou o que sobrou dela)
Saímos de manhã, às 10 horas, e visitamos diversos lugares que faziam parte daquele enorme empreendimento. A começar pelo seu coração: A fábrica.
Dá pra ver de longe as chaminés, porém, diferente do que acontece em Paulista não tivemos como chegar muito perto delas. Na cidade pernambucana, onde havia duas fábricas, as chaminés estavam distribuídas por alguns pontos do centro. Aqui somente três estão de pé.
Um grande terreno alagadiço ficava entre onde nós estávamos e as estruturas já bem deterioradas. Nosso guia contou que aquele era o aspecto natural da região, antes das construções.
Contornamos aquele local e fomos para onde existiam os portões da fábrica. As antigas construções fazem parte hoje do Campus da Universidade Federal da Paraíba. Pode-se ver locomotivas e demais equipamentos que eram utilizados na época.
Perto dali, edifício que funcionou como hotel e, do outro lado, a cadeia pública. A avenida no centro tem palmeiras imperiais. Isso era uma marca da família Lundgren: deixar tudo com algum ar majestoso, dominante.
Seguimos para outros pontos importantes do complexo chefiado por Frederico Lundgren.
Um deles é o antigo barracão. Aqui os gêneros alimentícios que eram produzidos em terras da fábrica eram vendidos para os operários.
Hoje, o prédio abriga a garagem de uma empresa de ônibus. Existem linhas que vão até a Baía da Traição e outras cidades próximas.
Diversão e esportes na cidade – fábrica
Um outro prédio, com uma história interessante. Atualmente funciona aqui a Igreja Presbiteriana da cidade, no passado, esse lugar era o Tênis Clube.
Celestino nos contou que aconteciam situações curiosas aqui:
O antigo Tênis Clube só era frequentado pelos funcionários estrangeiros que tinham um certo status na Companhia.
Os “gringos” chamavam a atenção pela aparência. Pessoas tão diferentes, europeus bem altos, cabelos loiros, de shorts e camisetas, com raquetes na mão atrás de bolinhas.
O lugar também recebeu apresentações de cantores famosos como Nélson Gonçalves e Vicente Celestino, até ser transformado em igreja.
O Cine Órion é um dos maiores monumentos daquele complexo. Um edifício amplo, com aspecto bem moderno. Aqui funcionava o que por muitos anos foi a maior sala de cinema da América Latina, com milhares de assentos.Ele ainda está em funcionando. Adaptado para os dias atuais, recebe principalmente shows de artistas de música popular e gospel.
Havia movimentação de nazistas na Paraíba?
Uma das maiores lendas urbanas de Rio Tinto é a de que Hitler viria passar um tempo aqui se tivesse saído vencedor na 2ª Guerra Mundial.
Também é muito comum afirmar que existiam espiões nazistas entre os técnicos e demais funcionários de cargos mais altos da fábrica de tecidos.
O jornalista Hílton Gouvêa, autor de livros e artigos sobre histórias da Paraíba, diz que um homem chamado Ernest Hans, funcionário alemão da Companhia de Tecidos, fez uma adaptação de “Heil Hitler!” para “Oxente Hitler!” e ensinou a célebre saudação nazista para as crianças.
A Igreja Matriz de Sta. Rita de Cássia
Construída com tijolos aparentes, inaugurada em 1942, é repleta de simbologia no que se refere a essas supostas ligações dos europeus residentes na cidade com o nazismo.
Para começar, à direita da porta de entrada, podemos observar um desenho feito com os tijolos aparentes: Ele remete à águia, um dos mais conhecidos ícones do Terceiro Reich.
Do outro lado, outro desenho que lembra uma harpa. Ainda não conhecíamos esse símbolo, mas Celestino nos contou que seria uma apologia às conquistas do regime de Hitler.
Dentro da matriz, os onipresentes tijolos aparentes em vigas bastante robustas, emoldurando os altares com imagens de diversos santos.
Na parte superior, de frente à assembleia e o altar, uma tribuna. Era lá que os Lundgren ficavam quando vinham ouvir missa.
O detalhe é que eles não eram católicos, porém, faziam questão de estar presentes em todas as datas comemorativas da igreja.
Os senhores da cidade sabiam muito bem como usar a instituição religiosa como forma de manter a vida social sob suas rédeas bastante curtas.
O Palacete da família Lundgren
Tomamos o rumo da Vila Regina, um pouco afastada do centro da cidade. Um ponto mais alto, de onde podemos visualizar os arredores.
É lá que fica o Palacete dos Lundgren, um local onde membros da família sueca e seus amigos vinha passar temporadas.
Do lado de fora, a estrutura é majestosa, feita mesmo para impor o poderio dos “donos da cidade”.
Entretanto, quando entramos na propriedade, percebemos um enorme contraste: de um lado, a estrutura luxuosa das paredes, vigas e colunas e de outro, a aparente deterioração dos ambientes.
Fomos até uma sala com uma grande púlpito. Era onde funcionava o “tribunal”.
Era um local onde aconteciam julgamentos, com promotores, advogados de defesa, jurados? Não.
Segundo o Celestino, altos funcionários de confiança dos Lundgren se reuniam aqui e decidiam a sorte de pessoas que cometessem algum ato de desobediência às suas vontades.
Nos outros cômodos percebemos sinais muito evidentes de abandono.
As estruturas de madeira se esvaindo com o tempo, muitos fragmentos de azulejos e cerâmica espalhados pelo chão.
Percebemos, no entanto, que algumas peças resistem ao tempo e parecem até que ainda estão em pleno uso, principalmente banheiras e pias.
Ainda vimos as torneiras com um aspecto um tanto modernista. As paredes do que eram os banheiros com azulejos importados da Itália e porcelana chinesa.
Num grande salão, em um piso superior, outra referência que pode deixar as pessoas desconfiadas com o assunto da relação dos Lundgren com o nazismo.
Os blocos de madeira estão encaixados num tipo de formação que poderia remeter à imagem da suástica. Veja e tire suas conclusões:
Mas, afinal de contas, havia ou não nazistas na cidade?
O pesquisador Cássio Marques, coloca que é tudo teoria da conspiração, ou seja, que nunca houve indícios sólidos que comprovem, por exemplo, a tal história de uma vinda de Hitler a Rio Tinto.
Cássio defende que poderia até existir um e outro trabalhador alemão que agia como o Ernest Hans, mas que atitudes como as dele eram casos isolados, que não representavam a família Lundgren nem o modo de se trabalhar em seus negócios.
Também, segundo outros, não havia nada de nazismo na igreja: A águia, na verdade, seria simplesmente um anjo e o cetro do 3º Reich, uma harpa que representa os cânticos católicos.
Os blocos no piso do palacete teriam sido colocados daquele jeito meramente por questões estéticas, que seria “forçar a barra” ver ali a suástica.
Já o nosso guia Celestino contou que existem narrativas que foram construídas ao longo do tempo, no sentido de “livrar a cara” da família sueca, mas que eles seriam coniventes, ou, no mínimo, simpatizantes do regime do Führer.
São discussões e histórias intrigantes. A cidade está cheia delas.
Final de tarde na praça
Terminamos nosso passeio pelo centro de Rio Tinto na Praça João Pessoa, que fica bem no centro, em frente a igreja de Sta. Rita de Cássia.
Ao redor, várias casas que pertenceram a funcionários e técnicos estrangeiros que vieram trabalhar aqui.
Existem árvores altas com copas bastante amplas e uma das atrações da cidade, que desperta a curiosidade dos visitantes: As preguiças.
Conta-se que antigamente eles ficavam bem perto das pessoas, porém, com o crescimento da movimentação na cidade e o barulho de veículos, os animais foram se esconder lá no alto.
O município tem muitos outros atrativos. Existem também praias por lá.
A praia de Coqueirinho do Norte e Barra de Mamanguape são as mais conhecidas e muito recomendadas para quem curte lugares menos movimentados, com cenários naturais.
O projeto Peixe-Boi também é uma boa alternativa de passeio ao ar livre. Futuramente, quem sabe, poderemos estar lá também.
A história dessa pequena cidade, que já foi fábrica, é rica e os locais são muito interessantes. Se planeja visitar a Paraíba algum dia, vale a pena incluí-la no seu roteiro.
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